Será que a dieta alimentar tem influência na esclerose múltipla? Veja as nossas recomendações.
A Esclerose Múltipla é uma doença auto-imune, crónica, inflamatória e desmielinizante do sistema nervoso central, que se inicia habitualmente entre os 20 e os 40 anos de idade com maior prevalência no sexo feminino.
De etiologia ainda desconhecida, a Esclerose Múltipla parece resultar de uma interação de diversos fatores, nomeadamente, genéticos e ambientais, com uma relação entre estes. Sendo uma doença crónica, o tratamento incide no alívio dos sintomas e no atraso na progressão da doença, levando a que muitos doentes procurem terapêuticas alternativas ou complementares, entre as quais a dieta e a suplementação.
O papel da dieta e da suplementação nutricional na Esclerose Múltipla tem vindo a ser estudado, tanto pela sua importância no alívio da sintomatologia como na modulação no estado inflamatório e consequente progressão da doença.
Atualmente não existe consenso sobre o papel da dieta no atraso da evolução da doença, não havendo ainda uma dieta específica e clinicamente provada. No entanto, o aumento das incapacidades decorrentes da doença, nomeadamente no que toca à capacidade de auto-alimentação, deglutição e coordenação, faz com que exista um risco de carências nutricionais.
A intervenção nutricional na Esclerose Múltipla tem como objetivo a diminuição da inflamação e consequente sintomatologia associada. Têm sido testadas até à data diversas dietas, ainda sem evidência na sua eficácia.
Hiperenergéticas vs restrição energética
Diversos estudos efetuados neste âmbito mostram que dietas hipercalóricas, com elevado aporte de gorduras saturadas e ácidos gordos “trans” promovem a inflamação, enquanto que a utilização de uma dieta com restrição calórica, ácidos gordos polinsaturados n-3 e antioxidantes, evidenciam o efeito oposto.
O papel da gordura
O tecido nervoso é constituído por lípidos (gordura), sendo importante garantir uma ingestão recomendada de 30% do valor energético total e uma restrição dos ácidos gordos saturados. Os ácidos gordos polinsaturados apresentam um papel de destaque, devido à sua constituição no Sistema Nervoso Central, com especial foco na potencial relação do consumo de ácidos gordos polinsaturados n-3 e a menor incidência da doença.
O papel da proteína
A ingestão proteica é particularmente importante nos doentes que apresentam locomoção reduzida, dado o risco de desenvolvimento de úlceras de pressão, perda de peso involuntária e perda de massa magra. A ingestão proteica recomendada é de 15-20% do valor energético total.
O papel das vitaminas
O papel benéfico de algumas vitaminas tem sido evidenciado em diversos estudos, nomeadamente no que se refere aos polifenóis (curcumina, quercetina, luteolina, resveratrol) e as vitaminas (A, C, D, E e B12).
No entanto, é a vitamina D que apresenta um papel de destaque.
A vitamina D é uma pro-hormona esteroide lipossolúvel, sintetizada maioritariamente de forma endógena pela exposição solar a radiação UVB e de forma mais reduzida obtida através da alimentação.
Vários estudos têm enfatizado a importância da vitamina D na prevenção e progressão da doença, parecendo imprescindível para a melhoria do estado clínico. Neste sentido, a medição dos seus níveis séricos deve fazer parte dos exames de rotina para uma prescrição adequada.
No que toca a fontes alimentares, salienta-se: óleos de peixe, peixes gordos, leite e em menor quantidade, manteiga, fígado e gema de ovo.
Abordagem nutricional
No que toca a alimentação, os estudos parecem evidenciar uma ingestão benéfica de alimentos com elevado teor de ácidos gordos n-3, devido à sua função anti-inflamatória e promover uma diminuição do consumo de alimentos ricos em ácidos gordos saturados, dada a sua função pró-inflamatória. A ingestão de antioxidantes provenientes de hortofrutícolas bem como os ómegas 3 do peixe gordo devem ser privilegiados.
Devido ao papel importante da vitamina D nesta patologia, é fundamental garantir o seu rastreio para uma prescrição adequada.
No acompanhamento nutricional o nutricionista deve monitorizar o peso, dado que alguns doentes apresentam excesso peso ou obesidade que deriva na diminuição da locomoção e da medicação prescrita. Por outro lado, a apatia e diminuição do apetite derivadas da medicação, fadiga e depressão, podem resultar numa diminuição de peso e malnutrição.
A avaliação do risco nutricional é determinante para garantir um equilíbrio nutricional, corrigir potenciais carências e, consequentemente, aliviar sintomatologia e melhorar a qualidade de vida dos doentes.
Os estudos realizados até à data são promissores, no entanto é necessária mais investigação para determinar o papel da dieta e elaborar recomendações nutricionais na Esclerose Múltipla no sentido de otimizar o estado nutricional e qualidade de vida.
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Inês Santos Filipe
Nutricionista Holmes Place Cascais
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